A esperança somos nós…
Vários fatores têm contribuído para a gênese e cronicidade da crise política, econômica e social brasileira. Há um aspecto, contudo, que tem sido pouco comentado. Refiro-me ao fato de que grande parte de nossa população se tornou mais exigente, havendo claramente ampliado a demanda por direitos sociais e por cidadania. Somos dezenas de milhões a cobrar acesso à saúde e à educação, a se opor ao racismo e ao machismo, a apoiar a luta dos povos indígenas e da população LGBT. Nesse sentido o Brasil melhorou.
Entretanto, o que vem acontecendo é que nem o Estado, ou os políticos, isto sem mencionar o mercado, têm tido capacidade de responder satisfatoriamente a essa emergente característica de grande parte de nossa sociedade. Há um desgaste evidente das formas de representação política, o que tem dificultado a concretização destas aspirações em projetos e iniciativas concretos. Na verdade, as dezenas de milhões de pessoas que aspiram à justiça social e à democracia estão desorganizados, divididos e têm dificuldade em identificar estratégias potentes para viabilizar suas aspirações.
A Abrasco, o CEBES, os movimentos de reforma sanitária, em alguma medida, vêm contribuindo para essa mudança do perfil cultural e político de nosso povo. A prolongada luta pelo direito à saúde, pelo SUS, pela humanização das instituições e das práticas em saúde, em defesa de cidades saudáveis e do meio ambiente, a construção de políticas públicas em Ciência e Tecnologia, a luta contra a violência e em defesa da saúde mental, tudo isto, de distintas maneiras, ajudou a enraizar em nossa sociedade uma nova consciência, bem novos espaços sociais que atuam em defesa da cidadania. Um sintoma que indica a vitalidade deste movimento é a constante incorporação, em nossas fileiras, de importante parcela da juventude.
A esperança de um Brasil mais justo e democrático está, portanto, em nós mesmos. Está no fortalecimento da sociedade civil e em nosso engajamento para reformar o caráter patrimonialista e clientelista do Estado nacional.
Entretanto, existe outro componente da crise brasileira que contrapõe classes e agrupamentos sociais. Trata-se do acirramento da disputa pela apropriação da riqueza nacional e, em particular, do orçamento público. Nos últimos anos, quase metade do arrecadado em impostos vem sendo gasto com o serviço da dívida interna (processo intensificado pelo aumento constante de juros pelo Banco Central sob o pretexto de controle da inflação) e com a isenção fiscal e transferência direta de recursos públicos para uma não admitida “bolsa empresa”, dois mecanismos de transferência do orçamento público para grupos econômicos minoritários e que já controlam grande parte da riqueza nacional. A “gastança”, a irresponsabilidade fiscal dos governos não resultou, portanto, de investimentos em políticas públicas, mas de um perverso sistema de devolução do imposto arrecadado aos mais ricos. Assistimos a uma odiosa mistificação da opinião pública, realizada pela mídia, pelos partidos e lideranças políticas quando indicam que a recuperação do Brasil passaria pelo desmonte de nossas ainda incipientes políticas públicas. O anunciado documento “Ponte para o Futuro” é a encarnação desta desfaçatez.
Teremos, ao contrário, que fortalecer as políticas públicas e a democratização da sociedade e do Estado brasileiro e a esperança de que isto aconteça depende principalmente de nós mesmos, depende da capacidade de resistência e de luta da sociedade. Em nosso âmbito, precisamos fortalecer a Abrasco. E deveremos ainda somar forças com setores democráticos e a favor da consolidação da cidadania.
A diretoria da Abrasco entendeu que a melhor forma de defesa do SUS e do direito à saúde é intensificarmos o esforço para prosseguirmos com a reforma sanitária. Organizar movimentos em que além de resistirmos às ameaças às conquistas existentes, atuemos ativamente para completar a reforma social e política ainda incompleta. Defender as políticas e programas do SUS que vem funcionando, mas, ao mesmo tempo, lutar para ampliar o orçamento para as políticas públicas, para qualificar e aumentar a cobertura da Estratégia de Saúde da Família e de toda a rede de hospitais e de serviços de média complexidade.
Prosseguir na democratização da rede pública, radicalizando mecanismos de gestão participativa, extinguido a miríade de cargos de confiança ainda existentes no SUS. De pressionarmos por uma reformulação da gestão pública que se contraponha à receita conservadora e antissocial da privatização e da terceirização do cuidado. Apontar a possibilidade concreta – inclusive financeira – da construção de uma nova política de pessoal que contemple direitos trabalhistas e a centralidade do cuidado ao usuário, com definição clara de responsabilidade sanitária. Resistir aos ataques à Vigilância Sanitária e em Saúde, fortalecendo a capacidade de regulação e de controle sobre o mercado e de enfrentamento de epidemias, investir no saneamento básico e na reforma de nossas cidades. De nos associarmos a outros setores para o combate a violência e mudança radical das estratégias de enfrentamento do narcotráfico e do crime.
A diretoria da Abrasco entendeu a necessidade de intensificarmos a defesa da Educação Pública. De adequarmos o financiamento das Universidade e do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia.
Para isto apelamos ao povo da saúde. Associem-se a Abrasco, coloquem suas anuidades em dia. Nossa autonomia política depende disto. Participem das Comissões, dos Grupos Temáticos, dos Fóruns, organizem Núcleos Regionais de Saúde Coletiva, promovam seminários, oficinas, tanto entre profissionais de saúde, quanto em conjunto com outros setores e, em particular, envolvendo os usuários. Relatem estas experiências, divulguem problemas e estratégias de defesa da cidadania que funcionarem. Usem o nosso site, as nossas revistas, os meios de comunicação possíveis para socializarmos uma cultura democrática, solidária e reflexiva entre nosso povo.
Nossa esperança sobreviverá entre nós, tratemos de desatá-los.
Gastão Wagner de Sousa Campos