Coapinho
O QUE NÓS PENSAMOS SOBRE O COAPINHO?
Pensamos que é uma estratégia para avançar na integração ensino-serviço. A assinatura do COAPES entre UFPel e Secretaria Municipal de Saúde de Pelotas em dezembro de 2017 foi um passo importante. Envolveu todos os cursos da saúde, detalhou número de estudantes, atividades e contrapartidas entre as instituições, e faz revisões anuais. Mas isso é insuficiente.
Mais do que isso, é necessário que seja desencadeado um processo de pactuação em cada UBS. E depois disso, é necessário que esta pactuação seja acompanhada por um processo de gestão local. Quer dizer, “não basta o coapes, é necessário um coapinho para cada UBS”. E como ele pode funcionar? Que formato deve ter? Quando deve começar? Com quem começar?
A todas estas questões, tentamos nos debruçar na reunião do comitê gestor do COAPES de setembro de 2018. Nesta reunião, fizemos alguns apontamentos. Acreditamos que é preciso inserir todos os cursos de graduação da saúde em um momento único de trabalho em grupo.
A veterinária, por exemplo, atua na UBS Centro Social Urbano do Areal, fazendo PET-Terapia ( estudantes de veterinária trazem cachorros treinados para trabalhar com crianças com deficiência até a escola da comunidade, a equipe da UBS organiza a presença das crianças para o trabalho, os estudantes e professores de veterinária desenvolvem o trabalho) e territorialização ( com enfoque clínico para cachorros e cavalos dos catadores de material reciclável e com enfoque de vigilância para os demais aspectos do território). Apesar disso, a veterinária não atua em outras UBS e o faz apenas com residentes e não com estudantes de graduação. A pactuação conjunta das atividades poderia possibilitar a inserção de um número maior de estudantes de veterinária em ações como orientação à saúde pública, importância da saúde animal, zoonoses, saúde dos alimentos de origem animal, inspeção, qualidade da água e do solo, reabilitação com ecoterapia, e territorialização. Da forma como vem acontecendo, a comunidade acadêmica não sabe o que a veterinária faz na APS. O coapinho poderá dar a conhecer o trabalho da veterinária na APS.
O coapinho deverá desencadear um esforço de adequação das ações para cada cenário em que a Universidade está inserida. Neste esforço, detalhar ações, número de estudantes, turnos de atividades e, depois, avançar para propostas de ações interprofissionais para gestão do cuidado.
O coapinho poderá configurar-se em um momento de discussão sobre a concomitância dos diversos cursos de graduação nas UBS e do resgate dos profissionais para a atuação interprofissional, permitindo a reflexão sobre cada curso de graduação, do ponto de vista de como é sua atuação no SUS, na APS e nos serviços especializados. Enfim abrir espaço para a discussão da interprofissionalidade. Isto é, deixar que os questionamentos dos estudantes apareçam.
Exemplo disso é a angústia que vive o estudante de odontologia quando percebe que não examinou a boca do paciente e sente, então, que não desenvolveu o cuidado que deveria ou o melhor cuidado possível. Ou, de outra forma, aquela que seria a sua melhor contribuição não foi oferecida para aquele paciente específico e, diferente da sua expectativa inicial, o estudante de odontologia ficou oferecendo a escuta, que talvez fosse do núcleo de outra categoria profissional.
Assim, o debate de núcleo e campo, pode aparecer no cotidiano do cuidado na UBS, na distribuição de tarefas, nas discussões de caso. Hoje são pactuações uniprofissionais que acontecem ou não em espaços comuns, de forma concomitante ou alternada.
Temos a expectativa de criar espaços qualificados na APS para a inserção e a formação de novos profissionais que possibilitem a sua prática específica, mas que estimulem e propiciem a sua atuação em equipe. A relação com as unidades deve se dar de forma a ampliar e qualificar o serviço e não no sentido contrário. Assim, é preciso propor formas onde a longitudinalidade do cuidado seja compatível com o processo de formação dos diferentes cursos.
Para tanto, será necessário verificar quais são as potencialidades de contribuição da educação física, por exemplo, nas diferentes UBS e qual sua real possibilidade de atuação. Algumas possibilidades podem ser a promoção de saúde e orientação de prática de atividade física de forma coletiva ou individualizada, identificar grupos de apoio e projetos que já auxiliem a população na manutenção ou inserção em um estilo de vida ativo, aproximar-se dos demais núcleos da saúde percebendo e ampliando a visão de saúde, as demandas e preocupações, auxiliando em propostas tanto em cuidados paliativos quanto em ações que auxiliem a encontrar as soluções para os problemas, contribuir no fomento a prevenção como medida essencial para o SUS, fomentar projetos que já desenvolvem estas propostas e ações.
O coapinho, assim seria a primeira experiência de um trabalho interprofissional, onde elaboraremos uma ação que possa contemplar as potencialidades de todos os cursos de graduação participantes, com o objetivo de aprendermos uns com os outros e de algum modo melhorarmos a qualidade de vida da população.
Os obstáculos que vão se apresentar muito provavelmente envolverão as questões de falta de espaço físico e falta de tempo para o momento de pactuação do coapinho, para o momento de gestão, para as ações, e etc. E o coapinho não é mais do que isso exatamente, ou seja, a definição de um tempo e um espaço para o trabalho interprofissional e baseado nas necessidades de saúde das comunidades e das equipes onde atuamos.
E se refletirmos sobre qual a forma mais estratégica para desenvolver trabalho interprofissional, podemos pensar em desenvolver uma determinada linha de cuidado para o município. Nesta linha de cuidado, irá ficando claro como desenvolver com os estudantes as competências específicas de cada núcleo profissional.
Assim, ao invés do coapinho para a UBS, talvez o coapinho para uma linha de cuidado. Do ponto de vista da organização do trabalho interprofissional talvez seja mais estratégico.
Ocorre que na perspectiva da construção do sistema de saúde e das ameaças que vem recebendo para a universalidade do sistema , devemos lembrar que o território é muito estratégico. O território lembra a universalidade o tempo todo, contempla a todos os moradores, independente das necessidades em saúde que apresentam, dos desejos que tem, das expectativas quanto ao sistema de saúde, ganhando um caráter bastante mais inclusivo.
E ainda lembrar do risco das linhas de cuidado, diante deste cenário de angústia em relação ao seu papel profissional, as linhas podem apontar para a construção de mais e mais protocolos que não apontam para a gestão Paidéia. Lembramos também que, com certeza, vamos observar a dificuldade de comprometimento dos profissionais e ela pode ter impacto marcante nos resultados do coapinho.
De nada servirá um belo plano pactuado que não será colocado em ação porque os profissionais que atuarão como preceptores dos estudantes não têm motivação para desenvolver. Alguns profissionais podem, de fato, estar a olhar para a APS como a obrigação a cumprir, o tempo aprisionado do trabalhador a espera da aposentadoria. Mas a falta de motivação poderá também estar ligada ao fato de não terem construído o plano, ou não se sentirem contemplados nas suas demandas no plano, ou terem perdido a motivação para atuar na APS pelos baixos salários, pela baixa valorização, pela estrutura física e de equipamentos tão precárias que reduz a resolutividade. E tantas vezes, por essa baixa resolutividade, o profissional é acusado. Ou porque o sonho de vida profissional daquela pessoa sempre esteve ligado a um consultório privado e agora é como se esse momento de APS e de comprometimento com a comunidade fosse um roubo das energias que, se fosse por decisão pessoal, estariam voltadas ao seu consultório privado.
E será necessário colocar na roda, bem ao estilo Método Paidéia, o porquê desta desmotivação. Talvez precisemos de arte para trabalhar com estes sentimentos. Arte que sensibilize e faça reviver o momento em que, por algum motivo, o profissional se identificou com o cuidado em saúde oferecido para todas as pessoas em um serviço público e gratuito de alta qualidade.
E qual seria a arte para iniciar um debate na APS? Ficamos por imaginar… Mas podemos fazer o primeiro desenho de que, em fevereiro de 2019, já poderíamos fazer o primeiro coapinho. Ele poderia consistir em uma reunião, em uma UBS escolhida previamente, com duração de 4 horas, em que estivessem convidados todos os professores que trabalharão na equipe durante o semestre, todos os estudantes, todos os preceptores, toda equipe e representantes da comunidade.
Que o trabalho iniciasse com reuniões de grupos por categorias, esses grupos deveriam responder a seguintes questões: para a equipe e comunidade: quais são as principais necessidades de saúde que percebemos comunidade? Para a universidade: quais são as necessidades de aprendizagem que trazemos para desenvolver na UBS? E depois, a realização da plenária com todas estas informações para pactuação das ações do ano.
Após a aprovação deste plano, seria escolhido um comitê gestor do plano para a UBS. O grupo poderia definir a periodicidade de encontros deste comitê gestor e o momento de avaliação, ao final do ano ou semestre.
Comitê Gestor do COAPES UFPel